quarta-feira, 7 de novembro de 2007

RECUERDOS DE BELLEVILLE


TEMPO TEMPO TEMPO


Es um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo


(Oração ao Tempo - Caetano Veloso)

sábado, 1 de setembro de 2007

"A saudade é Brigitte Bardot acenando com a mão num filme muito antigo."
(Zeca Baleiro)

quarta-feira, 29 de agosto de 2007


O POVOADO E A CAPELINHA DA CONCEIÇÃO

O Povoado dos Aparecidos fixara-se na segunda década do século XIX, o sangrento. Começara como um camping militar na volta do Inhanduy, o córrego de nativas avestruzes, onde essas grandes aves corriam. Lindas, leves e soltas.

Eram as ñandus do pago, que iram desaparecer por causa do carnaval. Daí o nome do arroio, como visto, e das quebradas, donde tiraram as pedras mouras. Aqueles que não tinham pecados, arremessavam-nas contra Madalenas: a que se arrependia e a do bem-querer; a que ficava certa quando seu amor despertava e a que choraria, buscando se consolada.

Quem ajuda é o Senhor do Bonfim. Confiando n’Ele, os pecadores entravam no beco, saíam de beco e jogavam Três Marias. Também ergueram a Capela de Nossa Senhora Aparecida, com as pedrinhas essas, que se esfarelavam entre os dedos e nas bocas de Adolfos e de Alfredos.

Todavia, mesclando-se as pedras polvorentas com o azeite de uma baleia e sangues de muito índio, produziram a massa argilosa. Utilizaram tal cimento, ou argamassa, para construir a capelinha, anteriormente citada, e ardida na chama crioula de setembro de 1816. Enquanto Auguste Saint-Hilaire, o botânico, percorria estes descampados, tenebroso incêndio destruiu o povoadinho e a capela.

O ataque incendiário foi comandado por controle remoto, desde o Arapehy, pelas tropas do General Las Torres Gemelas. Os casteiano não se arrependeram, diziam que bem o fizeram, pois-que “onde junta milico e padre, pode contar que não presta”. Os Orientais incendiaram tudo, se lo quemaran tudito. Eram hombres dos Artigas, de Don José Gervásio e seu filho, Andrecito, como eu.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A FAZENDA DO PUNHAL


Don Diogo Sosa, ancestral paterno da cantante Mercedes, e também da nossa fazendeira, chegara neste outro lado do Uruguay em 1811, oito do fevereiro, dez luas à frente do dia em que, no século futuro, nasceria a mais famosa de suas descendentes. Tão lembrado aniversário no correr dos anos, ao girar das águas, no mover dos moinhos e de removíveis montanhas.

Na madrugada posterior à chegança de Dioga, digo, Diógi; quer dizer, Diogo, ou seja, daquele que não era o Caramuru, os artilheiros de Joaquim Pedro Cruzeira Xavier Curado estacionaram no mesmo local, compondo um batalhão denominado Mocidade Independente da Coxilha Velha.

Preparavam-se para golear a Banda Marcial Oriental, fato a explicar o entusiasmo com que os uruguaios comemorariam sua vitória de 1950 sobre a seleção brasileira em pleno Maracanã, lotado.

Voltando ao Século XIX, passada uma semana, criara-se a Vara Eclesiástica de Marmelo Verde e São Luiz Gonzaga. A tal repartição eclesial, deveriam se submeter os Sete Povos das Missões, bem na conta do mentiroso.

Nesse dia 15, Don Diego — não, que esse é o Zorro —, então, onde digo Diego, passa a ser Diogo, escondido dos compatriotas, amancebou-se com a Sinhá-Moça Josefa da Silva Brasil, vulga Cotinha. No mesmo ano, entretanto, em lunas de outubro, Buenos Aires e Portugal marcaram os limites das províncias do Plata e deste Continente de São Pedro.

Na primavera seguinte, Droga, digo, Diogo, deixava o Ejército de la Salvación, e um filho no bucho da Cotinha. Partira em direção ao porto, alegre, de Buenos Aires, donde se transformaria no Libertador San Martín Fierro. E, assim, depois do nascimento do filho do desertor, Dona Josefa não haveria de chorar por onde sentia saudades.

Tornou-se amásia do Charrua Jerônimo. Santo, Playmobil e Seriado Televisivo. Jerônimo de Paula. Porque devoto de São Francisco, padroeiro dos Aparados da Serra; originalmente, San Francesco di Paola, o patrono da gente do mar da Calábria. Nesta pampa, o “mar dos ingleses”, a Sinhazinha ganhou nenê do índio, ao qual batizou Hipólito Brasil de Paula.

De prata, era uma faquinha, que Jerônimo herdara de um outro aborígena, o tal Pedro Missioneiro. Faca ou punhal, o utensílio trouxe muita sorte, é vero, veríssimo. Diogo, digo, Jero, amancebou-se com a Zefa, ou Dona Cotinha. Logo após, tornara-se proprietário de todo o Rincão de São Miguel, em cujo centro, situou a Fazenda do Punhal.

Azar teria o primeiro filho da Dona Cotinha, nascido em 1813. Quando moço, esse guri passou a ser conhecido por Dom-Don Francisco Brasil de Sosa. O irmão, que veio ao mundo em 1814, lhe disputaria tanto a mão de Pitanguy, a Lucrecia Bórgia, quanto um potente império econômico. De mais a mais, a ser dividido com uma irmãzinha — “a intrusa” — que nasceria dois anos depois do Hipólito, e logo após uma grande tragédia.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

quarta-feira, 25 de julho de 2007


SANTA RITA E O ROMANCE DO REI

Dom João VI era O-Rei, mas gostou mesmo de ser Vice-Rei do Brasil, atividade ociosa que lhe permitiria dedicar-se à tentativa de escrever um histórico e santíssimo romance. Guiando-se pelos rascunhos do Eça e de Sir Walter Scott, empregou seus dons literários, o Dão Jão Bobo, a balouçar-se entre o estudo das hagiografias de Rita, beatificada-santificada-padronizada, e o travestimento desse corpo santo em sofrível personagem ficcional.

Descobriu, o egrégio escritor, que a criaturinha italiana trazia demasiado sofrimento para quem guardasse qualquer imagem dela, mesmo as medalhas de bolso. Haveria de ser por isso que viessem chorar aos uivos, tão tristes melodias, os portugueses.

Tão tristonhas, que Oliveira Salazar instituiu a musicoterapia como uma das formas de tortura do seu regime. Os opositores do cristão-novo ditador deviam escutar fados, amarrados a árvores que davam azeitonas e, dessas, engolindo até o caroço.

Só lhes livraria Santa Ritinha de Cássia e dos Cravos, a padroeira dos Impossíveis e dos sistemas de informação, a que igualmente ofereceu patronato para Fafe, Golpes e Fornelos. Por aí, teriam nascido a Amélia que era mulher de verdade mais a Amália Rodrigues, mulher de bigode.

Nem o diabo pôde com elas e, autêntico museu vivo, aquele trio de freguesias a Noroeste da Terra Portugalha conserva-se como nascedouro dos eléctricos bondes, do bico de papagaio, dos bicos de luz. Os últimos, exportados à colônia, desde a Central do Lindoso, mas com falha técnica, operaram como lampiões a gás no Rio Antigo. Não chore de saudade, “que isso dá samba, confete, serpentinas, carnavais”.